João Caetano
em
May 18, 2023
A situação nas cidades

Esse é o primeiro capítulo da série de conteúdos dedicados ao mapa da cólera, criado pelo Dr. John Snow por ocasião de um surto epidemiológico que levou centenas de pessoas à morte no intervalo de uma semana em 1854 na região do Soho em Londres.

Durante quase todo o arco temporal de existência do homo sapiens, a vida aconteceu áreas rurais.

https://ourworldindata.org/urbanization#urbanization-over-the-past-12-000-years

Da época primitiva dos caçadores-coletores, chegando até o desenvolvimento agrícola, passaram-se milhares de anos de vida no campo.

Na medida em que a produtividade do trabalho agrícola aumentava, como resultado de melhores métodos e ferramentas, menos pessoas eram necessárias à produção de alimentos.

Isso liberava mão de obra para outras atividades além do cultivo de alimentos.

Mas o trabalho no campo estava voltado à produção agrícola, então menos pessoas eram necessárias nas fazendas e isso deslocava o excedente para fora das propriedades rurais.

Os livros de história chamam esse processo de Cercamento do Campos.

No tempo antigo, os direitos de posse incidiam sobre a produção, nem tanto as terras, que eram chamadas de uso comum.

Na medida em que a produtividade aumentava, a terra passava a ter mais valor do que as pessoas que trabalhavam nela, se intensificava a migração do campo para as cidades.

Uma transformação na vida no campo acabou por ter enormes reflexos nas cidades, que estavam totalmente despreparadas para receberem esses novos moradores.

A partir do ano 1300 começa o movimento populacional que ganhou força ao longo dos séculos e marca a vida nas metrópoles dos dias atuais.

As pessoas chegavam sem recursos, sem trabalho, com suas famílias inteiras.

Court for King Cholera. Illustration from Punch (1852).

As consequências eram terríveis.

Famílias amontoadas, sem meios de vida e higiene.

Lixo, dejetos, restos mortais se acumulavam e contaminavam o solo de onde a água a ser consumida era retirada por meio de bombas.

A soma dessas condições tinha o nome de Grande Fedor.

Além do intenso mau cheiro, acreditava-se que o ar pesado era transmissor de doenças.

Essa teoria, amplamente aceita pela classe médica, chamava-se Miasma, o ar tóxico.

A região de Soho na Londres da época era ocupada pelas pessoas mais pobres e especialmente vulnerável aos surtos.

O clipe do filme Les Miserábles, obra que se passa em Paris, mas trata do mesmo fenômeno das cidades hostis, nos dá uma ideia do ambiente urbano da época.

Em meio a esse cenário terrível, surtos eram comuns, mas nenhum tinha sido tão intenso quanto o de agosto 1854, quando em meio ao calor do verão que intensificava o fedor, começaram as mortes.

Em apenas 3 dias 127 pessoas morreram, em pouco tempo 3/4 da população residente fugiu do "ar contaminado" da região, mas as mortes não cessavam.

A magnitude desses eventos elevava o tom dos debates, o terror, mas seu efeito foi diferente para o Dr. John Snow.

Seu senso de urgência para encontrar uma solução e sua empatia com as vítimas fizeram com que levasse a investigação desse surto às ultimas medidas.

Um médico até então famoso por ter atendido a Rainha Vitória estava disposto a colocar toda sua reputação em risco ao desafiar a teoria do miasma.

Continua no próximo artigo, As mortes no Soho.