Esse é o primeiro capítulo da série de conteúdos dedicados ao mapa da cólera, criado pelo Dr. John Snow por ocasião de um surto epidemiológico que levou centenas de pessoas à morte no intervalo de uma semana em 1854 na região do Soho em Londres.
Durante quase todo o arco temporal de existência do homo sapiens, a vida aconteceu áreas rurais.
Da época primitiva dos caçadores-coletores, chegando até o desenvolvimento agrícola, passaram-se milhares de anos de vida no campo.
Na medida em que a produtividade do trabalho agrícola aumentava, como resultado de melhores métodos e ferramentas, menos pessoas eram necessárias à produção de alimentos.
Isso liberava mão de obra para outras atividades além do cultivo de alimentos.
Mas o trabalho no campo estava voltado à produção agrícola, então menos pessoas eram necessárias nas fazendas e isso deslocava o excedente para fora das propriedades rurais.
Os livros de história chamam esse processo de Cercamento do Campos.
No tempo antigo, os direitos de posse incidiam sobre a produção, nem tanto as terras, que eram chamadas de uso comum.
Na medida em que a produtividade aumentava, a terra passava a ter mais valor do que as pessoas que trabalhavam nela, se intensificava a migração do campo para as cidades.
Uma transformação na vida no campo acabou por ter enormes reflexos nas cidades, que estavam totalmente despreparadas para receberem esses novos moradores.
A partir do ano 1300 começa o movimento populacional que ganhou força ao longo dos séculos e marca a vida nas metrópoles dos dias atuais.
As pessoas chegavam sem recursos, sem trabalho, com suas famílias inteiras.
As consequências eram terríveis.
Famílias amontoadas, sem meios de vida e higiene.
Lixo, dejetos, restos mortais se acumulavam e contaminavam o solo de onde a água a ser consumida era retirada por meio de bombas.
A soma dessas condições tinha o nome de Grande Fedor.
Além do intenso mau cheiro, acreditava-se que o ar pesado era transmissor de doenças.
Essa teoria, amplamente aceita pela classe médica, chamava-se Miasma, o ar tóxico.
A região de Soho na Londres da época era ocupada pelas pessoas mais pobres e especialmente vulnerável aos surtos.
O clipe do filme Les Miserábles, obra que se passa em Paris, mas trata do mesmo fenômeno das cidades hostis, nos dá uma ideia do ambiente urbano da época.
Em meio a esse cenário terrível, surtos eram comuns, mas nenhum tinha sido tão intenso quanto o de agosto 1854, quando em meio ao calor do verão que intensificava o fedor, começaram as mortes.
Em apenas 3 dias 127 pessoas morreram, em pouco tempo 3/4 da população residente fugiu do "ar contaminado" da região, mas as mortes não cessavam.
A magnitude desses eventos elevava o tom dos debates, o terror, mas seu efeito foi diferente para o Dr. John Snow.
Seu senso de urgência para encontrar uma solução e sua empatia com as vítimas fizeram com que levasse a investigação desse surto às ultimas medidas.
Um médico até então famoso por ter atendido a Rainha Vitória estava disposto a colocar toda sua reputação em risco ao desafiar a teoria do miasma.
Continua no próximo artigo, As mortes no Soho.