João Caetano
em
Aug 10, 2021
Sobre Parques e Cemitérios

Esta semana o Daily Overview postou uma bela imagem aérea do Cimetière Parisien de Pantin que, da perspectiva superior típica de suas fotos, encanta pelas áreas verdes bem ordenadas.

Cimetière Parisien de Pantin
https://www.over-view.com/overviews/cimetiere-parisien-de-pantin

Cemitérios sempre foram espaços essenciais às populações.

Desde seu início próximo a templos na esperança de que a localização pudesse proteger as almas até o processo mais institucionalizado de cemitérios públicos, que definiu como e onde as pessoas teriam sua morada final.

Como: em túmulos individuais ou por família.

Onde: de alguma forma afastados das aglomerações urbanas.

Com o tempo, a expansão dos centros urbanos foi reduzindo as distâncias entre as cidades e seus cemitérios.

Esse processo fica explícito no desenho abaixo que mostra a localização dos Magnificent Seven, série de cemitérios projetados em 1833 para atender a população de Londres.

A imagem demarca a malha urbana de Londres atual com a linha tracejada e em cinza como era a época do projeto.

Fica clara a intenção de construir cemitérios em áreas afastadas e como a cidade se expandiu para muito além desse espaço, integrando-os inteiramente.

Os Sete Magníficos termo informal aplicado aos sete grandes cemitérios em Londres.
https://archaeology-travel.com/england/highgate-cemetery-london/
Highgate Cemetery

Hoje esses espaços adquirem novas funções, sendo áreas de preservação ambiental, espaços verdes, centro de peregrinação para túmulos de personagens históricos.

Usos combinados são resultado da pressão que o espaço urbano faz sobre áreas que em muito são similares a parques, à exceção atmosfera fúnebre.

Na medida em que a vida muda, repensamos o espaço e suas funções.

Com os cemitérios não é diferente, por mais que sejam cercados de misticismo também foram questionados em outras épocas.

Capela dos Aflitos

A Capela dos Aflitos é o último resquício do Cemitério dos Aflitos, que ocupava a região da Liberdade e foi “transferido” para o Cemitério da Consolação.

Jorge Wilheim, um dos mais importantes e visionários urbanistas brasileiros questionava a função exclusiva e excludente dos cemitérios em meio à cidade e propôs a mudança dos Cemitérios da Consolação e Araçá.

Mas ainda que sua proposta tivesse prosperado, a exemplo do que ocorreu em Londres, a cidade já teria incorporado esses novos cemitérios.

Na questão dos cemitérios é difícil definir de quem é a posse de fato e a posse de direito.

Seria a posse de fato dos vivos, que usam esse espaço físico representação do que foi a vida de seus familiares.

Seria dos mortos em seu jus sepulchri, direito a ser sepultado.

Ou seria dos moradores da cidade carentes em áreas de lazer e contato com a natureza?

Não faltam movimentos nessa disputa espacial.

A prefeitura de São Paulo já promoveu o Cinetério, sessões de filmes de terror no Cemitério da Consolação e passeios de bicicleta, o Pedal Caveira.

Não sem provocar polêmicas.

Seria possível unir os dois mundos?

O artista plástico Pazé, Paulo José Keffer Franco Neto, acredita que sim.

Ele provocou polêmica com sua mostra batizada “Jardins do Tempo”, ao propor a transformação de cemitérios públicos de São Paulo em áreas de lazer e contemplação aos mortos.

São Paulo é uma cidade ressentida pela falta de parques e áreas verdes. A expansão urbana se deu te tal forma que não houve tempo para pensar esses espaços, existindo vastas regiões sem qualquer área de lazer aberta e natural.

Mas existem áreas abertas e naturais que não são de lazer, os cemitérios, que vêm sendo ocupados como áreas de lazer, ainda que informalmente e com um certo receito em relação aos residentes.

https://mapio.net/pic/p-18658770/
Cemitério Vila Formosa cercado por 150km2 sem outras áreas verdes

Artista plástico cria parques em cemitérios de São Paulo (link)


Imagine um domingo preguiçoso como este, A Avenida Paulista, fechada para os carros, pedestres rumam nos quarteirões.

Outros espaços como este poderiam estar disponíveis para a população.

https://www.google.com/imgres?imgurl=https%3A%2F%2Ff.i.uol.com.br%2Ffotografia%2F2019%2F08%2F25%2F15667525945d62bf5205557_156
“A ideia é que os parques sejam pequenos jardins botânicos”

A própria Prefeitura de São Paulo constituiu em 1935 a Subdivisão de Parques, Jardins e Cemitérios.

Nenhum desses elementos, no entanto, exclui a função original do local.

O próprio direito ao espaço sepulcral não é indeterminado, podendo variar muito.

Indo do Jazigo Perpétuo, que dura enquanto a manutenção do túmulo é feita pela família.

Passando pela Concessão Temporária, prazo de 5 a 25 anos de uso do espaço.

Até a restrita Quadra Geral, uso de 3 anos com remoção dos restos mortais na presença de um familiar ao final do período.

E existem as leis de mercado que valem para os cemitérios particulares, nos quais o espaço é vendido e são cobradas taxas de manutenção.

Na hipótese de inadimplência o espaço volta para o proprietário do cemitério.

O cemitério vertical foi uma escolha para evitar a contaminação do solo e do lençol freático da região.

A ideia de transferir covas para estruturas verticais é a mais comum por ser conciliadora dos propósitos de uso do espaço.

Mas tivemos casos recentes em que foi cogitada a inteira remoção do cemitério, como o projeto habitacional que ocuparia o cemitério da Vila Formosa que só não foi pra frente por conta das previsões do pai de santo Rogério de Ogum quando ao risco de fantasmas dos corpos desalojados assombrarem os edifícios.  

Ao final, o desejo é que seja possível aproximar os cemitérios do cotidiano das cidades.

Referências:

Espaços de cemitério e a cidade de São Paulo, Dissertação de Mestrado de Felipe Fuchs. USP 2019.

Bar de Karaokê em frente ao Cemitério da Consolação.