João Caetano
em
May 18, 2023
As mortes no Soho

Esse é o segundo capítulo da série de conteúdos dedicados ao mapa da cólera, criado pelo Dr. John Snow por ocasião de um surto epidemiológico que levou centenas de pessoas à morte no intervalo de uma semana em 1854 na região do Soho em Londres. O capítulo anterior foi A situação nas cidades.

Sensibilidade por proximidade

Cidades densamente ocupadas por pessoas sem recursos, numa concentração que superava em 4x a de Manhattan nos dias atuais, levava a surtos de doenças.

Além de sua intensidade, o surto no Soho tinha uma característica geográfica própria, essa era a região em que o Dr. John Snow vivia.

É de se supor que ele conhecia algumas das pessoas que morreram.

Até porque, o surto foi mais intenso nas regiões pobres, mas alcançava imediações de classes médias e altas.

O próprio palácio real de Buckingham fica a uma pequena distância do foco.

Alguns anos antes, um surto ainda mais intenso tinha acometido a região de Lambeth, que fica ao sul, na outra margem do Tâmisa, sem que se tenha dado a mesma importância.

Basta dar uma olhada na capa do livro para termos uma ideia de quão pobre e desolada era essa região à época.

A teoria do miasma não permitia a associação de fatores entre os surtos, atribuindo todo o perigo aos ares tóxicos.

Como diz a primeira lei da Geografia, formulada por Waldo Tobler:

Todas as coisas estão relacionadas com todas as outras, mas coisas próximas estão mais relacionadas do que coisas distantes

Se as causas da doença ainda não podiam ser associadas, havia uma relação de proximidade entre as pessoas afetadas e o Dr. Snow.

Àquela altura John Snow era tido como um médico prodígio, mesmo que relativamente jovem, acumulava longos anos de dedicação à medicina.

Sua atuação em procedimentos anestésicos para alívio da dor e o reconhecimento que recebeu após o atendimento no parto da Rainha Vitória lhe atribuíam um prestígio elevado na comunidade.

Apesar de tudo, era uma pessoa simples e acessível.

A região da Broad Street, epicentro do surto, ficava a 600 metros de sua residência na Sackville Street e é bem provável que ele frequentasse estabelecimentos comerciais por lá.

Na medida em que as mortes se acumulavam, 127 em três dias, 500 em uma semana, ele se dirigiu à região em busca de respostas.

Lá encontrou uma figura que teve um papel chave nas investigações, o Reverendo Henry Whitehead, pároco da região e conhecedor das famílias que tinham sido vítimas da doença.

Pensando nos métodos atuais, o Reverendo Whitehead era o banco de dados, possuía a relação de endereços dos falecidos, algo como o CRM daquele fenômeno.

Foi ele quem apontou os locais onde se concentravam as mortes e essa concentração se dava na região da Broad Street.

Podemos considerar que o trabalho do Dr. John Snow e do Reverendo Henry Whitehead foi a primeira importação de dados para mapas da história.

Eles realizaram esse feito para que pudessem visualizar as mortes ponto a ponto e compreender sua distribuição geográfica.

Mas esse ainda não foi o momento em que o famoso mapa foi produzido, a esta altura bastavam uns rabiscos no mapa para que percebessem a concentração.

O famoso mapa seria criado para convencer a administração paroquial das descobertas que tinham feito e da consequente necessidade de interditar a bomba da Broad Street.

Esse é o assunto do próximo capítulo, Nem tudo é o que parece.

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